Meu nome é mulher


Nasci fêmea e logo me deram nome e sobrenome.
Me vestiram numa roupa rosa e cheia de "frus-frus"
Enfiaram brincos em minhas orelhas e uma pulseira de ouro nos meus braços,
Me chamaram de menina.
E nem tudo que eu quis fazer na infância eu pude
E olha que eu sempre quis participar da liberdade dos meninos,
Jogar gude, brincar de brigar
Sem nenhuma frescura, sair e correr,
tirar nota baixa, gritar e xingar.
Eu queria ser igual eles, mas não deu
Me disseram que eu era menina e portanto, diferente
Ia ficar moça, arrumar namorado e tinha de ser sexy e bonita, eu tinha de me comportar.
Aos trancos e barrancos, lá fui eu tentar ser a daminha,
Crescendo, me tornei adolescente e a vaidade apareceu.
Batom, rímel, espelho e muito pó compacto para as minhas espinhas
Perfume, escova, unhas para fazer...
Todas essas coisas que eu ainda amo
Começaram a fazer parte do meu mundo.
Meninos, eu já não os queria para correr e berrar
Mas, quem corria e berrava por eles agora era o meu coração.
Disseram-me também, que eu tinha que ser submissa e de família
Escolher um, namorar e casar.
E eu fui seguindo nessa linha aí...
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Mas, eu não gostava de ser mandada e sim de mandar
Eu não gostava de ser vigiada, eu que era a desconfiada
Era eu quem gostava de berrar e nem levava desaforo para lugar algum!
Eu não gostava que me dissessem como fazer, muito menos que me proibissem de gesticular, de sair, de dançar...
Eu não escolhi um e casei. E agora, o que fazer?
Comecei a beber e acabou minha pureza!
Descobri que meninas também “mijam” em pé...
Nada de costura, casamento, cozinha...
Eu queria ler sobre Beauvoir , Lou Salomé , Pagu  e Adelaide
Eu queria a liberdade mas...
Meu pai brigou comigo, minha família brigou comigo...
Só Deus não brigou comigo nesse tempo!
Conheci muita gente interessante
E resolvi ser uma patricinha interessante, eu que antes, era aspirante a metaleira
Ainda não satisfeita com a vida, lá fui eu ser roots...
Cigarro, espirro, gin, gengibre, fumaça, dreads e coisa e tal!
Mas nada me definia, nada me completava, continuava anormal.
Até que descobri
Que esses guetos e tribos são uma hipocrisia
Não me encaixo em nenhum,
Nem nos padrões e nem na porralouquice.
Minha tribo sou eu, tão superlativa e erroneamente humana...
E quem quiser me acompanhar irá comigo do luxo à bagaceira
E não busquem em mim estereótipos... Eu absorvi o que quis e abandonei o que não quis...
Rompi com alguns desses conceitos,
continuei sendo menina, moça e gauche na vida
Pois ainda que desdobrável, também tenho lá meus pileques...
Porque aprendo a ser mulher todos os dias
E só eu saberei ser a mulher que eu quero,
Ninguém me dirá como e o que devo fazer
Ninguém estabelecerá para mim a linha entre a liberdade e a libertinagem
Sou santa quando quero, mas há dias que acordo puta
Também sou moderada, radical bem mais ainda,
Pois que vulgar é a infelicidade
Amoral é ser quem não se é ou se quer...
E covardia é não assumir suas vontades,
Felicidade é poder ser dona de si mesma
E para terminar, finalizo com o verso da Adélia ,
Que foi mulher segundo os seus padrões:

"Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura ”.
PS: Diferente da Adélia acredito que mulher feia também casa e acho Salvador uma beleza!


Ana Paula Duarte. Cumpro a sina que eu mesma invento.
Ah, sim, um tanto biográfico!
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Simone de Beauvoir (1908-1986), intelectual existencialista e escritora francesa.
Lou Andreas Von Salomé (1861 - 1937), intelectual e poetisa alemã, nascida na Rússia.
Patrícia Rehder Galvão, de pseudônimo Pagu (1910 - 1962), escritora modernista e jornalista brasileira.
Adelaide Carraro (1936 - 1992), marginalizada escritora brasileira.
Adélia Luzia Prado Freitas (13 de dezembro de 1936), escritora brasileira.

[Confira outras elocubrações e confabulações no Blog de Ana Paula Duarte] 

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