O homem e o cadáver


O homem percorria o deserto com rapidez e intrepidez, ele queria chegar ao mar e muito havia de atravessar até que lá chegasse.
Era um caminho difícil, mas como que num oásis em meio ao deserto, companhia encontrou para sua surpreendente jornada. Outro homem no caminho, tão obstinado quanto, também queria chegar até o mar, nunca conhecera o oceano e era um sonho nele se jogar. Mas contratempos no caminho, logo trataram de atrapalhar os amigos, veio a lepra, e o bom amigo acabou desfalecendo em chagas, foi-se ao chão em mazelas, não aguentou a viagem.
O homem, infeliz, sentiu-se vazio e só, e numa tentativa desesperada atirou o corpo do amigo ás suas costas e com ele seguiu pelo deserto em direção ao mar. Assim ele não se sentia sozinho, ao menos lhe sobrava àquela matéria morta que logo se reduziria em lembranças. Passava por aldeias, vilas e cidades, atravessou o deserto com o cadáver a se desmanchar, de dias e dias a putrefar, de longe se podia sentir o cheiro fétido no ar, mas o homem acostumara seu olfato.
A penar pela vida, o homem seguiu pelo caminho do penhasco, a descer entre pedras e aspereza, a se equilibrar com o cadáver nas costas, que já nem pesava, em meio a caatinga seca, onde os somente os urubus o seguiram, mas até eles, espantaram-se com tamanha bizarrice.
Voltou para a estrada. Outras pessoas apareceram no caminho, mas o homem, obstinado e cego, sequer notou. E seguia em silêncio o seu “calvário” ridículo em direção ao que já nem se lembrava mais. O mar, já nem sabia por que, mas desencantara.
Chegou então o dia em que parou, olhou para trás e viu o quanto já havia percorrido. O cadáver não mais existia. Olhou para si, tantas eram as feridas e já não havia caminho para onde seguir, estava de frente a uma ribanceira, não havia mais tempo, havia andando em círculos todo aquele tempo! De longe avistou o mar, onde jamais conseguiu chegar.

Ana Paula Duarte.
É preciso coragem para viver. Nada contra os círculos, é só que eles são viciantes e não nos permitem olhar além.

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