Pequena crônica sobre o quadrado

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elocubrando hoje
Ele acabara de descobrir que tinha um filho. De supetão inicial, não gostou muito da ideia, mas com o passar dos dias, foi gostando do estado de pai, foi achando aquele guri bonitinho, pequenininho, engraçadinho e dependente, resolveu conhecê-lo melhor. E nada melhor que uma viagem à praia, a casa de veraneio da família para isso.
E foram os dois, sozinhos, encabulados e desconhecidos, porém com o mesmo sangue a correr nas veias. O menino queria ver o mar, o pai cansado da viagem titubeou, estava com mau - humor, indisposto... Mas o menino com um sorriso conseguiu levantar seu ânimo. E foram os dois. O pai logo pediu uma bebida e o menino correu para a areia, lá se sentou por alguns minutos, olhando o céu, sentindo a brisa do mar, deixando que o seu corpo aproveitasse tudo. Depois se levantou e foi em direção da água. O pai, de longe veio transtornado a gritar e chamar pelo nome do filho. O menino parou e virou-se para o pai, que gritava:
- Pare, pare aí mesmo, nem mais um passo!O seu lugar é aí mesmo, sente-se na areia, aí, vamos! E daqui você não vai passar nada de mar! Foi nesse mar que uma vez, no passado, eu me afoguei e quase morri, foi por um triz! Não saía deste quadrado aqui que vou fazer na areia, daqui você não passa e não reclame, pois se reclamar vai embora!
Voltou para tomar sua bebida, sem muito contato com o filho desconhecido, nada de carinhos ou intimidades, ele estabelecia ali um limite para aquela relação, nada de entregar-se àquele garoto ameaçador. E menino estarrecido e triste silenciou por um tempo, mas, no fim da tarde, seu espírito livre cansou do quadradinho delimitado e quis ir embora, não só da praia, como da presença do pai. Quis voltar para junto dos seus e foi o que ele fez.
No mês seguinte, a mãe do menino o levou à praia, e ele repetiu àquele mesmo ritual: sentiu a areia, o vento e foi correndo experimentar o mar. Abriu os braços e nadou, mergulhando sem medo, sem traumas alheios ou gritos desnecessários, não se afogou, nem tinha delimitações, aquele mar imenso era seu e ele, sentia prazer e contentava-se, a vida pulsava.

Ana Paula Duarte.

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
Clarice Lispector

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