Os meus contemporâneos feirenses saberão de quem se trata, os mais novos
não. Pois bem, Xuxa Preta eternizou-se no momento em que se tornou um mito, uma
criatura lendária que ninguém sabe se existiu de fato ou foi apenas boato
feirense.
Lendária ou real, a verdade é que ela acabou existindo na imaginação das
crianças e adolescentes da década de 1990, como o pesadelo dos/as
professores/as e diretores de escolas
tanto públicas quanto particulares daquela época.
Dizem que era uma garota negra, gorda, com feições e trejeitos
masculinos, chamada de "trombadinha", Xuxa Preta recebeu esse nome
não se sabe o porquê, já que não tinha nada a ver com a Rainha dos Baixinhos,
Xuxa Meneghel, branca, rica e famosa.
Ainda menor de idade, Xuxa Preta
liderou uma "revolução'' em Feira de Santana. Constituiu uma gangue de
delinquentes, meninos e meninas de rua, que armados com canivetes, facas e
demais objetos pontiagudos, “invadiam” escolas públicas e particulares da
cidade, liderando uma onda de violência e pânico entre os estudantes.
O bando de Xuxa Preta roubava mochilas, lápis, canetas, o dinheiro do
lanche (naquele tempo não tinha celular, tablet e nem notebook), o caderno “da
hora” e dizem que quanto mais bonitas as pessoas fossem e sendo brancas, ela
era mais violenta e no final de cada ataque, marcava um “X” no rosto e ainda
cortava os cabelos das meninas, tinha raiva de quem tinha cabelos lisos. Era um
terror generalizado!
Lembro-me do dia em que o colégio que eu estudava parou com a mitológica
visita da gangue de Xuxa (e eis que essas palavras me saem agora com um riso
nostálgico do meu tempo de infância), e todo mundo saiu das suas salas de aula
pelo enorme pátio correndo e procurando um esconderijo, pois Xuxa Preta estava
na porta da escola ameaçando invadir.
Eu só fazia correr, dar risada e entrar
em pânico... Até a Diretora acreditou e chamou a polícia pra ver se acalmava os
ânimos. Tanta agonia e medo, que nem tive coragem de ir conferir e conhecer a
algoz dos estudantes daquela época, nunca vi nem o seu rosto nem o seu rastro.
Ela invadira todos os grandes colégios do Bairro do Sobradinho, espancou
as meninas da escola lá perto da Rodoviária, bateu nuns garotos na escola da
praça, invadiu aquele colégio de freiras e bateu numa irmã, pulou o muro do
colégio na Avenida Senhor dos Passos, enfim tocava o terror e depois fugia sem
deixar vestígios.
Ah, Xuxa Preta, lembrar de você me fez lembrar os tempos de escola! Fico
pensando, quanta imaginação a gente tinha e quanta união, quanta graça e
beleza!
E se tudo o que eu contei aqui é um mito, uma contação de história que
foi passando de boca em boca, não importa... Me fez recordar os intervalos em
que brincava de telefone sem fio com meus/minhas colegas.
Será mesmo que Xuxa Preta existiu um dia? O que terá feito da vida?
Estará ainda viva? Seria ela descendente de Lucas da Feira? Por que ela tinha
que ser Xuxa, e por que ela tinha que ser negra, gorda, beiçuda e pobre? É, era
a nossa descrição dessa garota que causava medo a sociedade da época. Ninguém
sabia seu sobrenome, sua origem e história... Só conhecemos o que se reproduziu
por aí e que ficou como sendo a verdade.
No caso de Xuxa, a história recebeu uma veia cômica e exagerada graças
aos boatos, histórias fora da realidade e que nunca se pode provar se de fato
ocorreram. E fico aqui pensando em como a História acaba privilegiando alguns
padrões em detrimento de outros. Quantos anti-heróis a história recebeu das
sociedades...
E eu não podia ver uma menina gorda, negra e beiçuda na rua, ou dentro
do ônibus, de short curto, cabelo curto, crespo e despenteado que eu pensava
“Será a Xuxa Preta?” E confesso que até hoje me lembro da imagem que criei
dela, aqui na minha cabeça, com suas feições e trejeitos e eu nem sei se ela
existiu de verdade.
Baiana, negra, sem direito algum e ironicamente a chamavam de Xuxa,
preta.
Estereótipos,estereótipos...Reproduções, reproduções...
Ana Paula Duarte. E em tempos em que estão falando tanto de Xuxa, eis
que me lembrei de uma outra Xuxa.
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