Isto fica feliz em ser útil ou da virtualização do homem


«A virtualização, de maneira geral, é uma guerra contra a fragilidade, a dor, a usura. Em busca da segurança e do controlo, perseguimos o virtual porque nos leva a regiões ontológicas que os perigos vulgares já não atingem. A arte questiona esta tendência e virtualiza, assim, a virtualização, porque procura, a partir do mesmo momento, uma saída do aqui e do agora, e a sua exaltação sensual. Ela retoma a tentativa de evasão. Ela ata e desata a energia afectiva que nos faz superar o caos. Em ultima instância, ao denunciar o motor da virtualização, ela problematiza o esforço incansável, por vezes fecundo e sempre votado ao fracasso, que empreendemos para escapar à morte.»
 Pierre Lévy    

        Redes sociais, o reino encantado da sociedade pós- moderna, ou, da modernidade tardia, como muitos preferem denominar. Independente da nomenclatura ou classificação é um tempo transitório e que descentrou a identidade do sujeito "soberano" ou "humano", para uma fragmentação em diversas conceptualizações de sujeito, emergindo políticas e movimentos de identidade para cada sujeito.

       Este reino encantado da internet cresceu significativamente de 10 anos pra cá, transformou nossa rotina e  nossa forma de se relacionar com o mundo. Passamos horas a fio na frente de um computador, seja para trabalho ou para o lazer, postamos nossos gostos, nosso cotidiano, adicionamos pessoas, conversamos com pessoas de longe, enfim, num clique, aparece na tela uma infinidade de possibilidades e com uma rapidez fenomenal. Muitas vezes, otimizamos o tempo; outras vezes somos cooptados por horas e horas nessa rede de teias fortes e velozes.

         Eu estou enjoada! Chega de tanta exibição e ostentação! São indiretas, diretas, ofensas, exposição de corpos, roupas, brilhos, pessoas, incitação de ódio, preconceitos, ideologias inaceitáveis, mais e mais guetos... É muito ócio, é muita bobagem e pouca coisa concreta. Pouca discussão de ideias, pouca arte, pouca verdade e finalmente, após tanta exibição exacerbada, cobramos privacidade! É pra rir ou chorar com essa nossa dualidade? É tanto mais do mesmo e na verdade, essa ótima ferramenta deveria nos servir, mas, vejo que equivocadamente, muitas vezes nós somos quem a servimos. Essa semana  fiz uma faxina em uma página minha. Retirei todas as pessoas as quais não tenho o mínimo interesse em manter qualquer vínculo, inclusive retirei o bloqueio das pessoas que havia deletado e bloqueado. Na vida real não há essa opção/ilusão de bloqueio, mais dia menos dia cruzamos com pessoas indesejáveis, elas estão no mundo e podemos e devemos conviver com isso. 

          Quero poder continuar a dizer o que penso e sinto sim, ainda que a grande maioria das pessoas discorde de mim, mas quero ao menos conhecer as pessoas que estão nas minhas páginas vendo as minhas fotos, lendo as minhas ideias, compartilhando dos meus gostos pessoais, dos meus filmes, músicas, do meu cotidiano, enfim. Eu quero sentir gente perto de mim. Estava sentindo falta disso. E pouco me importa quantidade, quero mesmo selecionar para ter a melhor qualidade que conseguir. E isso não tem nada a ver com as minhas convicções de que devemos amar ao próximo e não fazer acepção de pessoa. Podemos fazer acepção de pessoas na nossa rede virtual sim, a Bíblia permite (risos).

        Darei um exemplo concreto disso através de uma pergunta básica: você conhece várias pessoas nessa cidade, pelos diversos espaços sociais que frequenta. Por acaso, você, mesmo gostando de todas as pessoas com que se relaciona (suponhamos),  convida a todas  para ir a um lugar extremamente minimalista e íntimo, como é a sua casa? Já vou arriscar a resposta: é claro que não!

         Porque sua casa é seu espaço no mundo. E para receber o convite de lá se fazer presente um dia alguém tem que ser, no mínimo, um amigo em que se confia. Assim deveriam ser os critérios das redes sociais. Durante muito tempo eu agreguei pessoas desconhecidas, algumas delas me surpreenderam e somaram muita coisa bacana na minha vida virtual e foram 'linkadas' para a minha vida real, ou então, foram me conquistando por sua inteligência e humanidade nos diálogos, ainda que virtuais. Outras, eu nem me lembrava mais, mas elas estavam lá, dentro da minha casa e eu não as conhecia. Hoje foi o dia do despejo. Acredito que depois desse dia, eu não venha a ser a mesma usuária de antes. Eu quero pessoalidade! Quero olhares, jantares, quero mãos e risos de verdade, coisa que perdemos por horas e horas na internet, numa carência humana por uma vida diferente, ou, por um mundo paralelo.

          Tem muita coisa legal na pós-modernidade (pois é, estou descobrindo que, já que estamos nela, vamos buscar um lado bom), mas veio com ela uma frieza, uma individualidade e um verdadeiro carnaval de máscaras infinito: pessoas se embranquecem, emagrecem, enriquecem, se politizam, mudam de ideia, pintam e bordam numa única rede, num só aplicativo. Pessoas excluem as outras, bloqueiam, falam mal e até cutucam com uma facilidade incrível, como se na vida real fosse fácil como num clique.

          Tudo isso me remete ao filme O Homem Bicentenário, em que o robô Andrew (Robin Williams) invejou os humanos por suas possibilidades de sentimentos e emoções... Foi deixando de ser máquina e no fim de sua "vida" conseguiu o título de ser humano. Nós, parecemos caminhar ao contrário disso... Estamos nos tornando máquinas, invejando sua praticidade, utilidade, seu tecnicismo e capacidade indolor. Estamos desaprendendo a nos relacionar pessoalmente, cara a cara com as pessoas e a reflexão desse comportamento precisa ser trazida para a ordem do dia!

          Tomei como meta usar a internet para fins pessoais o mínimo possível. Usarei sim como uma maravilhosa ferramenta profissional de informações, textos compilados e conhecimentos compartilhados. Não deixarei órfãos os meus amigos da rede e sim economizarei beijos e abraços virtuais, não procrastinarei tanto quanto antes, mas usarei o meu precioso tempo que se esgota mais e mais a cada dia para experimentar a vida lá fora. Vamos marcar encontros, cafés, pizzas, dias de estudos, dias de prosas, horas a fio ao telefone. Precisamos reencontrar a essência humana do toque, do olhar, do sorrir.

           Vamos levar nossas crianças aos parques, para caminhar, passear de bicicleta, dançar e/ou o que mais aparecer de novidades e atividades. Chega de roda de conversas onde o celular seja o centro, onde só se pense em fotos para as redes sociais, fotografar comidas, fazer check'in e coisas que desperdicem nosso tempo e que são apenas futilidades pós- modernas- eu tinha que cutucar a onça- (risos). Se um dos principais objetivos das redes sociais era aproximar as pessoas, nós estamos indo na direção oposta, alimentando uma espécie de fobia de gente, preferindo falar com alguém pelo computador a pessoalmente! Não estou aqui dizendo que não podemos fazer essas coisas, claro que sim, porém, de modo controlado, pois é fato que estamos viciados e que criamos uma cultura impessoal disso, precisamos reavaliar frente às diferentes formas de relacionamento existentes entre os seres humanos.

          A vida nas redes sociais parece ser tão melhor que a vida real; os videogames são tão divertidos; os aplicativos e mil e um artifícios dos celulares são tão descolados! Talvez, nessa vida a gente se sinta mais aceito, mais capaz, mais popular, porém, a vida real requer coragem, requer preparação, aceitação, requer muitos desafios e ela é muito curta. E nela há especificidades místicas e transcendentais como um simples sorriso, uma paquera, um abraço, até mesmo um choro libertador. Vamos praticar nossa humanidade, essa reflexão é um convite e um desafio. 



       Eu quero ser mais humana!


Ana Paula Duarte

Nenhum comentário:

Postar um comentário